sábado, 4 de septiembre de 2010

As perguntas sem resposta de Nove Noites

por Carlos Henrique Vieira

A narrativa de Nove Noites (2002) é desencadeada por um artigo publicado em maio de 2001 em um jornal, que ao ser lido faz com que o narrador-personagem passe a investigar e a buscar o motivo que teria levado um jovem antropólogo americano, Buell Quain, a se suicidar há cerca de sessenta e dois anos, depois de passar alguns meses no Xingu com os índios krahô, quando já estava retornando da aldeia para ir embora para os Estados Unidos.
O romance é construído em dois tempos distintos que se intercalam: o primeiro narrado por um engenheiro, Manoel Perna, que conviveu e foi um dos poucos amigos que Buell Quain fez em Carolina (cidade mais próxima da aldeia dos índios que o antropólogo estudava); e o segundo, aquele em que o próprio narrador conta não apenas sobre a sua busca pela verdade que estaria oculta sobre a morte de Buell Quain, mas também narra sua infância, o contato com os índios do Xingu e a morte do próprio pai.
Buell Quain é caracterizado ao longo de todo o livro como um “desajustado”, em quem se manifestam sentimentos como o medo, a solidão, a paranóia e o desacordo com o lugar em que se encontra, seja a casa de seus pais na Dakota do Norte, as ilhas do pacífico, onde também esteve estudando os nativos, ou no interior do Brasil entre os índios do Xingu. Algumas informações dadas por ambos os narradores servem para reforçar essa imagem, tais como os adjetivos atribuídos à Buell, que vão desde “instável”, “excêntrico” e “solitário” à “desajustado” como já fora dito acima; a constante errância pelo mundo que permitiu a Buell atravessar os Estados Unidos percorrer a Europa e o Oriente Médio e conhecer países como a Síria, o Egito, Palestina e Rússia; a predileção que Ruth Benedict, tinha por Buell, pois de acordo com alguns alunos e pessoas que conviveram com Benedict, esta tinha “uma preferência por estudantes em desacordo com o mundo a que pertenciam e de alguma forma desajustados em relação ao padrão da cultura americana.” [grifos meu]; e ainda a identificação de Buell Quain com um jovem índio, o único da tribo que era órfão e por isso, “era mantido à margem. Era um desajustado”.
O estado paranóico aparece a principio como um sentimento que cerca o antropólogo às vésperas de sua morte, mas no transcorrer da narrativa também se manifesta no narrador em decorrência não só da busca de uma resposta para os mistérios que levaram Buell Quain a se suicidar, mas também pelas lembranças de infância que este carrega consigo, quando era obrigado a ir ao Xingu com seu pai por ter que passar as suas férias com ele. Essas viagens produziram no narrador uma repulsa pelo Xingu e pelos índios, pois quando criança aquilo tudo era para ele a própria “imagem do inferno”; além do fato de ao ler o nome de Buell Quain no artigo de jornal o narrador recordar imediatamente os últimos dias que passou com o seu pai num hospital em São Paulo, onde este dividia o quarto com um misterioso e solitário fotógrafo americano, que confunde o narrador com alguém que ele estava esperando, que seria o próprio Buell Quain.
Outro fator que aparece ao longo de todo romance são os períodos históricos adversos enfrentados pelos personagens e as eminências de guerra: Buell Quain se suicida em 1939 às vésperas do início da Segunda Guerra Mundial e durante o Estado Novo, regime ditatorial imposto por Vargas no Brasil. Já o narrador enfrenta o período de apreensão desencadeado em todo mundo pelo atentado terrorista de 11 de setembro de 2001, além do pânico causado poucos meses depois com as remessas de antraz via correios americanos, o que atrapalhou a sua busca por alguém nos Estados Unidos que pudesse contribuir para a sua investigação sobre Buell Quain, seja algum dos parentes de Buell, algum de seus colegas da Universidade ou o filho do fotógrafo, que é o único encontrado pelo narrador.
A história relatada no romance é basicamente sobre a busca empreendida pelo narrador por uma verdade ou por um indício do que levou o antropólogo a se suicidar. Sendo a pesquisa sobre Buell Quain e sua morte e consequentemente a escrita do romance a única maneira encontrada pelo narrador para conseguir se “desencantar” e se livrar dessa história que de alguma forma o perseguia desde sua infância, mas que só passou a fazer sentido para ele ao ler o nome de Buell Quain no jornal.
Assim, tanto o sofrimento, o suicídio e o desacordo com o mundo em que Buell Quain se encontrava quanto a busca do narrador por alguma carta ou alguém que pudesse dizer a ele o motivo que fez Buell se suicidar constituem a história narrada, visto que este não pretende responder nem esclarecer as perguntas suscitadas no decorrer do romance, o que faz com que a narrativa esteja baseada nas dúvidas e nos mistérios que cercam tanto morte de Buell Quain quanto a investigação empreendida sessenta e dois anos depois pelo narrador.


Referência Bibliográfica: CARVALHO, Bernardo. Nove Noites. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

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