viernes, 29 de abril de 2011

Um golpe de ar

por Karl Erik Schøllhammer

O começo da leitura de Golpe de Ar (Editora 34) é sedutor pela agilidade rítmica do texto e por uma feliz combinação entre o humor discreto e a minúcia descritiva. “É um romance de poeta”, promete a orelha de Alberto Martins; a brevidade dos capítulos e o bate-estaca das frases curtas e precisas de fato indicam o aproveitamento da economia lírica em prol da narrativa ficcional. Sem dúvida o romance adquire uma leveza incomum e com um enredo simples e direto o texto de Corsaletti logo ganha pontos. O narrador traz o leitor para a história in medias res - depois de 4 meses em Buenos Aires um jovem poeta paulista encontra a menina Lis na Entrada do Museu de Bellas Artes e a partir desse encontro a história se tece pelos relacionamentos do narrador com um grupinho de amigas brasileiras que flanam pela capital argentina e introduzem um sugestivo repertório de figuras e espaços portenhos pela ótica de marinheiros de primeira viagem em suas descobertas de bairros, ruas, praças, bares e cafés. Nada de muito importante acontece ao longo do relato que se apóia sobretudo na valorização das miudezas cotidianas de alguém tenta se situar numa nova cidade sem as pesadas demandas de sobrevivência, explorando a graça dessa falta de compromisso e a disponibilidade do jovem viajante.

Golpe de Ar é o primeiro romance de Corsaletti, poeta paulista autor de quatro livros de poesia recentemente reeditados em conjunto pela Companhia das Letras sob o título Estudos para seu corpo. Sua estréia na prosa dialoga com várias tendências na ficção brasileira contemporânea; a combinação entre a referencialidade do “eu” em novo formato auto-ficcional e uma certa introspecção antropológica em que a experiência do outro funciona como pretexto para a meditação existencial sobre o contemporâneo são estratégias narrativas que ganharam popularidade e incentivo comercial no projeto amoresexpressos da Companhia de Letras que já produziu romances de Daniel Galera, Bernardo Carvalho e Luiz Ruffato. Apesar de Golpe de Ar não fazer parte desse incentivo criativo é uma tentação ver no seu romance a adesão a situação do viajante como uma espécie de exotismo invertido do Brasil globalizado agora emissor de frotas de turistas e de artistas nômades para todos os cantos do mundo enquanto antes era o alvo do olhar estrangeiro. Nada de ilegítimo nessa experiência, e no caso do romance de Corsaletti ela se conjuga a reencenação da figura do poeta boêmio à procura da poesia da vida no exercício do prazer incondicional ou na fuga do modelo de uma vida pequeno-burguesa. “Eu tinha ido pra Buenos Aires pra não ser obrigado a ser feliz todos os dias. Lá eu poderia ser feliz duas ou três vezes por semana, ser muitíssimo feliz uma ou duas vezes por semana e passar o resto do tempo fazendo coisas inúteis, como reclamar da dor que tinha voltado no meu ombro esquerdo ou falar espanhol capenga com os frequentadores do Barra de los Amigos, um bar quase na esquina da Libertador com Callao.” (11) Assim a narrativa se compõe de trivialidades com uma riqueza detalhada de lugares e encontros em Buenos Aires como um pequeno guia especialmente feito para o jovem visitante em busca de diversão na noite porteña, matéria prima para um enredo que se costura nas intimidades frágeis entre um grupo de jovens de vinte a vinte e poucos anos na licenciosidade de uma viagem – talvez a primeira - para o exterior. Corsaletti domina a carga poética dos pormenores da convivência crua entre as pessoas e o romance consegue criar uma promissora tensão erótica entre os personagens que no entanto nunca realmente se concretiza, as vezes dando a impressão de uma versão singela e soft das experiências hard dos personagens beatniks. O que resulta estranho no avançar da história é que o autor se satisfaz rapidamente com um cenário urbano reduzido e não investe ficcionalmente no interessante elenco de personagens introduzido, o romance acaba por padecer desse pouco interesse em aprofundar o descobrimento de uma Buenos Aires mais desafiadora e de personagens e diálogos que acabam por se tornar pouco instigantes. Assim nem os encontros com os argentinos nem a crescente intimidade com o grupo de meninas que desviam o curso da viagem do narrador conseguem provocar algum impacto maior ou mudança na sua vida e a história se mantém o tempo todo no mesmo nível de inocência. Há uma curiosa falta de vontade ficcional diante do alcance da narrativa. Corsaletti perde a chance de se lançar na aventura da exploração imaginativa e criativa, abandonada a favor da pequena crónica do viajante. Não se interessar pelo desafio modernista das formas ficcionais nem pela procura pelos limites da própria expressão literária pode não ser um problema e até um alívio não ter de lidar sempre com o peso de um projeto demasiado motivado pela ambição literária ou pela preocupação engajada nos problemas do mundo. Mas é estranho esse aparente contentamento com o registro circunstancial – que funciona muito bem na sua poesia - abrindo mão do gesto romanesco logo depois de despertar o interesse do leitor. Golpe de ar não chega a oferecer o aturdimento de uma aventura poética na prosa, - como em Cocteau de Les enfants terribles ou A motoclicleta de Mandiargues, por exemplo – nem tira maiores consequências do simpático estilo documental que põe em marcha. Ao leitor resta uma certa preguiça graciosa de um narrador nunca realmente afim de se revelar.

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